ADOÇÃO: FALTA AMOR OU SOBRA BUROCRACIA?

ADOÇÃO: FALTA AMOR OU SOBRA BUROCRACIA?

De plano, apesar de diversos vieses de cunho doutrinário, todos convergem no entendimento de que a adoção é um ato solene onde um terceiro estranho ingressa em uma família.  

Inicialmente, cabe informar como se realiza um processo de adoção desde os primórdios. Assim, a família pretendente à adoção precisa, em primeiro lugar, cumprir os requisitos básicos previstos no art. 42, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), em suma, serem plenamente capazes e não possuírem vínculo de parentesco em linha reta (avós, irmãos) – salvo algumas poucas exceções advindas do caso concreto- ou serem tutores.

Após o cumprimento dos requisitos, o (s) adotante (s) se dirige até o poder judiciário (vara competente) a fim de pleitear o ingresso na lista de interessados/pretendentes, não há necessidade de assistência jurídica, sendo gratuito, basta entregar toda a documentação necessária para fins cadastrais.

Com o cadastro, a secretaria do poder judiciário competente (vara da infância e juventude, vara das famílias, vara cível ou vara única – a depender da comarca) encaminhará equipe multidisciplinar – psicólogo e assistente social – para realizar um estudo no intuito de traçar o perfil familiar. Em paralelo, a família fará o curso ofertado pelo poder judiciário, com a finalidade de preparação para receber seu novo integrante.

Após o laudo psicossocial apresentado pela equipe técnica, o Ministério público dará seu parecer final. Assim, o juízo sentenciará habilitando ou não a família para o cadastro nacional da adoção – CNA.

Estando cadastrados, os perfis serão traçados com a finalidade de encontrar compatibilidade entre as famílias e os infantes. Vale ressaltar que a família que deverá se adequar ao perfil da criança/adolescente. Assim, as assistentes sociais encaminham os perfis ao poder judiciário e, se houver vontade por parte da família, esta será apresentada a criança no fórum ou no próprio abrigo.

Por fim, poderá haver o período de convivência e adaptação, autorizadas judicialmente, aos finais de semana. Ao final desse período, os pretendentes devem manifestar-se acerca da possibilidade da adoção. Além disso, respeitando o estágio de desenvolvimento e o grau de compreensão do infante, poderá ser ouvido.

Depois de todo esse procedimento, sendo positiva a vontade da adoção, ingressa-se com demanda judicial pleiteando pela guarda provisória junto à adoção para que, só então, finalize o processo com a sentença determinando que seja realizada certidão de nascimento atualizada constando todos os dados dos novos pais e dos adotados.

Noutro giro, de acordo com os dados emitidos pelo Cadastro Nacional de adoção, neste ano de 2019, existem aproximadamente 13 (treze) mil crianças e adolescentes com o desejo de possuir uma nova família. Em contrapartida, existe, em média, 2 (dois) mil pretendentes para adoção, ou seja, a cada família que pretende adotar, existem 6 (seis) crianças/adolescentes esperando um lar.

Vale ressaltar que estes dados são gerados desde a criação do CNA, ou seja, desde 2008. Além disso, baseiam-se no projeto piloto dos estados de Alagoas, Bahia, Paraná, Rondônia e São Paulo.

Informa-se, ainda, que tais informações estão disponibilizadas na ferramenta digital do CNA como estatísticas públicas e, todas as comarcas tem acesso, inclusive com o envio de e-mails aos juízos com alertas para possíveis compatibilidades.

Segundo dados informados pelo Superior Tribunal de Justiça, no Brasil, os processos de adoção duram, em média, um ano para serem concluídos.

Na ocasião, vale esclarecer que, ainda existem as famílias que preferem realizar tudo de maneira informal, conhecida popularmente como adoção à brasileira, logo, não há constatação precisa dos dados estatísticos.

De outro giro, em novembro de 2017, houve alteração na lei da adoção, reduzindo os prazos processuais e dando preferência aos habilitados que tenham demonstrado interesse em adotar infantes com doença crônica, deficiência ou irmãos.

Diante de todas as informações acima prestadas, pergunta-se: Porque existem tantas crianças e adolescentes em situação de adoção? Falta amor ou sobra burocracia?

Como primeira reflexão, é necessário entender o motivo de tantas crianças e adolescentes serem rejeitadas pelos pais biológicos. Cogita-se a ocorrência de crimes de violação sexual a genitora, negligência e maus tratos contra os infantes/adolescentes, a violência patrimonial de famílias que vivem em situação de extrema pobreza, dentre outros.

É necessário compreender qual a origem desta demanda, criar uma política sobre planejamento familiar e conscientizar toda a sociedade na busca por um futuro em que outras crianças não sejam abandonadas ou negligenciadas, se tornando mais um número nas estatísticas, resumindo, é necessário investir na prevenção.

Por outro lado, as pesquisas indicam que o quantitativo exorbitante de adotantes e adotados decorrem de duas situações.

A primeira, do excesso de burocracia no processo, visto que precisa ingressar com pedido de habilitação, decorrendo a primeira sentença, para, só então, ingressar com o pedido final. Ou seja, são dois processos com uma única finalidade.

Além disso, é notório que o Poder Judiciário vive uma eterna morosidade processual. Não tem estrutura suficiente para, por exemplo, dispor de equipe multidisciplinar para realizar o laudo psicossocial necessário aos tramites da demanda, muitas vezes, buscando nos equipamentos da assistência social governamental.

Nesse sentido, além de sobrecarregar os equipamentos que não tem a tipificação para realizar esse tipo de estudo, corrobora com a mora processual, pois, além de atender a sua demanda, o equipamento tem que atentar para a demanda requisitada pelo poder judiciário.

Ademais, sabe-se que não existe vara da infância e juventude em toda comarca, logo, em algumas situações, os processos tramitam em varas cíveis ou, até mesmo, varas únicas, dificultando, ainda mais, o cumprimento dos prazos estipulados em lei e a eficiência processual pelo fato de não ter  (ou ter insuficientes) profissionais especializados neste tipo de demanda.

Por outro lado, versam que os perfis das pretendentes tem opção por crianças de cor branca e outros elementos físicos. Ou seja, as preferências atrapalham a compatibilidade necessária para efetivar a adoção.

Porém, talvez, esse fator não seja tão agressivo quanto à morosidade processual. Inclusive, a nova legislação da prioridade a certas situações acima especificadas. Além disso, caso os próximos pretendentes da fila não estejam compatíveis com as crianças, que busquem os próximos e, como diz o dito popular “que a fila ande!”.

Além disso, a quantidade de pretendentes supera absurdamente a quantidade de crianças/adolescentes e existe um fator primordial para esta situação: a morosidade! Os pretendentes temem a burocracia e os prazos nunca cumpridos pelo judiciário. E, as pessoas perdem muito do seu emocional na tentativa de concretizar sua família.

Senão, vejamos a opinião de uma pretendente publicada numa matéria do Senado Federal, por Debora Brito, no ano de 2017:

Servidora pública do distrito Federal, Sandra Lúcia está habilitada a adotar uma criança desde 2014. Ela relata o longo caminho que já percorreu para realizar o sonho de ser mãe.

— Eu completei três anos de habilitação no dia 24 de novembro e estou à espera do meu sonho ser realizado, não importando se será menino ou menina. O importante é ser mãe — declarou.

Diante do exposto, conclui-se que mesmo com o advento da nova lei da adoção (lei n. 13.509/17), o Poder Judiciário ainda não tem estrutura suficiente para atender as demandas, visto que, além da falta de recursos humanos, não possui estrutura para cumprir corretamente os prazos determinados legalmente, assim, a morosidade só tende a aumentar, recaindo, principalmente, no desejo de pleitear pela adoção.

Portanto, isto pode acarretar uma série de conflitos, inclusive, de ordem criminal, como é o caso da falsidade ideológica, adoção a brasileira, tráfico humano, dentre outros decorrentes das problemáticas acima elencadas.

Frise-se a necessidade de investimento nos órgãos do poder judiciário, principalmente, no que tange aos servidores públicos. Além de investir na contratação de profissionais capacitados para integrar nas equipes multidisciplinares em todos os âmbitos do direito das famílias.

Por fim, ressalta-se o direito das crianças e adolescentes ao convívio familiar, conforme previsto no art. 227, da Constituição Federal/1988 e art. 19, do ECA, observando, sempre, o princípio do melhor interesse do infante e os tratando como prioridade absoluta.

Se as crianças são o futuro do nosso país, qual o futuro que podemos esperar?

FONTES:

GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: Direito de família. 14ª edição. São Paulo. Ed. Saraiva. 2017;

DIAS. Maria Berenice. Adoção: um direito que não existe. 24/09/2019;

BRASIL. Constituição Federal – Planalto. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.  Brasília/ DF, out 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 14 jun 2019;

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente – Planalto. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília/DF, julho de 1990. Disponível em: <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 14 jun 2019;

BRASIL. L13509. Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. Brasília/DF, novembro de 2017. Disponível em: <  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13509.htm> Acesso em: 14 jun 2019;

ADOÇÃO PASSO A PASSO. 2.1 Guia Adoção Passo a Passo. 2019. Disponível em: <https://adocaopassoapasso.com.br/passo-a-passo/guia-adocao-passo-passo/> Acesso em: 13 jun 2019;

CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO (CNA) – CNJ. Sistema Integrado. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/cadastro-nacional-de-adocao-cna> Acesso em: 13 jun 2019;

CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO (CNA) – CNJ. Sistema de Informação. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sigacna/estatisticas.jsp?foco=classe> Acesso em: 13 jun 2019;

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Julgados sobe adoção à brasileira buscam preservar o melhor interesse da criança. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Julgados-sobre-ado%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-brasileira-buscam-preservar-o-melhor-interesse-da-crian%C3%A7a> Acesso em: 13 jun 2019;

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. A lei garante o direito à convivência familiar e comunitária. Disponível em: <http://www.turminha.mpf.mp.br/direitos-das-criancas/convivencia-familiar-e-comunitaria/a-lei-garante-o-direito-a-convivencia-familiar-e-comunitaria> Acesso em: 14 jun 2019;

Rafaela
Sou uma canceriana que pouco chora e muito se emociona, sou feminista. Escuto do funk ao chorinho. Sou cinéfila, amo filmes de heróis e romances. Amo ler sobre autoconhecimento, o eu feminino e biografias de grandes nomes. Sou Advogada há quase 8 (oito) anos especialista em Direito das famílias, terapeuta sistêmica há quase 5 (cinco) anos e entendo que as questões familiares podem ser vistas e solucionadas sem maiores prejuízos.
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